FENÔMENO BEBÊ REBORN SERIA PSICOSE COLETIVA?
Francisco Neto Pereira Pinto
é professor universitário, escritor e psicanalista
O debate sobre os bebês reborn tem inflamado opiniões e polarizado visões. Há quem os veja como um recurso terapêutico legítimo, um direito à expressão lúdica, e há quem os considere um sintoma de desequilíbrio coletivo, um surto psicótico compartilhado. O que, afinal, revela esse julgamento? Estaríamos, sem perceber, perpetuando estereótipos sobre a loucura e, ao mesmo tempo, desautorizando a experiência daqueles que optam por bebês reborn?
A construção do louco como irracional
Associar o uso de bebês reborn à psicose coletiva remete à antiga representação do louco como um ser privado da razão. A expressão é usada sem uma definição clara, aproveitando-se de um imaginário popular que relaciona a loucura à insanidade, ao descontrole, à desordem privada de qualquer lógica e à subversão das normas. Michel Foucault, em História da Loucura, aponta como ao longo da história a loucura foi vista como oposição à estabilidade racional, sendo considerada um caos que deveria ser contido. Para o filósofo francês, a loucura era vista como a "manifestação no homem de um elemento obscuro e aquático, sombria desordem, caos movediço, germe e morte de todas as coisas, que se opõe à estabilidade luminosa e adulta do espírito".
Ao utilizar esse conceito de forma pejorativa, o argumento contra os bebês reborn reforça uma concepção ultrapassada da loucura e desconsidera sua complexidade clínica. No campo da Psicanálise e da Psiquiatria, a psicose é entendida como uma posição subjetiva, uma forma específica de sofrimento psíquico ou de doença mental e não meramente como um estado de irracionalidade. Atribuir comportamentos incomuns à loucura, sem critério clínico, apenas contribui para a estigmatização de quem realmente vive com transtornos psicóticos e seus familiares e cuidadores.
A desautorização dos pais e mães de bebês reborn como loucos
Rotular o fenômeno dos bebês reborn como uma patologia coletiva também funciona como um mecanismo de desautorização dos que preferem esse tipo de paternidade e maternidade, ridicularizando-os e afastando-os do reconhecimento social. O debate, do meu ponto de vista, não deve girar em torno de gostar ou não da prática. Uma sociedade democrática deve permitir o questionamento, é certo, mas os argumentos precisam ser construídos sem ofensas e sem reforçar exclusões históricas.
Em última instância, o que essa polêmica revela é o quanto ainda precisamos refletir sobre como julgamos o outro. Em vez de patologizar e excluir, talvez fosse mais produtivo buscar qualificar o debate. E não, não se trata de um surto psicótico coletivo. O tempo mostrará toda a complexidade do que, afinal, se trata o fenômeno dos bebês reborn.