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Opinião/Reflexão/Crônica

CYRO FERREIRA COSTA

A emoção e a regra

Publicada em 07/03/23 às 21:39h - 5388 visualizações

Edson Mendes


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CYRO FERREIRA COSTA
 (Foto: https://a8se.com/)

Seu Cyro sabia, a seu modo, a diferença entre valores e princípios. Era um homem de ação, mas pensava, e sentia.

Não se pode separar o artista do empreendedor. Este não existiria sem aquele pois, afinal, sua vida foi uma obra de arte.

A natureza faz o homem modelar-se a si mesmo e produz, quando em vez, o comportamento de exceção.

Do poeta, do músico, do engenheiro, do arquiteto, do maestro, do escultor, do pescador, do caçador, do inventor, do administrador. Do gênio. O que você acha?

https://www.academia.edu/98091835/Cyro_FC 
27.2.23

27.2.23

CYRO FERREIRA COSTA

A EMOÇÃO E A REGRA

EDSON MENDES

Seu Cyro morreu ontem à tarde, aos 92 anos. A imprensa informa que o corpo foi cremado às 20h30. Grande empresário, foi também um homem bom. Coisas distintas, frequentemente separadas, raramente juntas. Quando mais tarde me procure a morte, angústia de quem vive, ou a solidão, fim de quem ama, como ensina Vinicius, que eu possa dizer, do amor que lhe tive, que com ele aprendi certas coisas por fazer – mas, muitas mais, por não fazer. Não tive com Seu Cyro a intimidade comum que os filhos têm, nem aquela outra dos amigos próximos. Foi mais uma identidade do que uma amizade – mas havia amizade. Fui gerente do Banco do Brasil em Garanhuns no final do século. Todos pediam crédito. Seu Cyro, não. Mas algumas vezes eu dizia: Se o Sr. depositar a fatura do fim de semana, ela continua sendo sua e eu atinjo as metas. Uma vez mandou me chamar, e perguntou: Você tem alguma pretensão politica? Gaguejei, com receio de dizer não. Mas disse, e ele disse: Todo cidadão tem o direito de ter – e também de não ter; obrigado! Saí com medo, mas André e Guilherme disseram: né nada não, ele só queria saber; andou pensando em você esses dias... Nada mais disseram, nem eu perguntei. Por ocasião do primeiro Festival de Inverno, em 1991, sugeri um piano no saguão do Banco, para uso de Ronaldo White e dona Sylvia Galvão durante o expediente: será uma surpresa para todos, os turistas vão gostar muito, disse. Guilherme, moderno, gostou da ideia. Seu Cyro, ainda mais moderno, riu baixinho.

Dizem que a ironia é um diamante, daqueles que cortam até córnea. É um recurso de estilo, linguístico-literário. Mas tem dois gumes: quem escreve precisa ter muito cuidado, porque, se um gume é seu, o outro é do leitor! A este, se lhe falta o óculo, resta a miopia. E vice-versa... Durante minha vida desaprendi bastante, e isso me ajuda a caminhar. Troquei de óculos, e de lentes, muitas vezes. Imagino, hoje, quais desses princípios seriam adotados por Seu Cyro, um homem de princípios. E quais seriam descartados. Olhe mais longe. O que deve ser feito deve ser feito. Cuide primeiro de si, antes de cuidar dos outros. Tenha sempre um propósito em tudo que fizer. Simplifique. Ouça sempre. Fale pouco. Contrate pelo talento. Mantenha pelo resultado. Demita pelo comportamento. Cultive a paciência. Ofereça alternativas. Acredite nas pessoas, mas não cegamente. Trate desigualmente os desiguais. Domine os impulsos. Diga sempre “sim.” Não, quando necessário. Somente avalie depois de medir resultados e comportamentos. Não tenha pressa. Mas não perca tempo. Comece pelo fim. A direção é mais importante que a velocidade. A menor distancia entre dois pontos é a linha reta. Coma pouco, ande muito, durma bem. Decidir o que fazer – eis a questão. A primeira regra de quem deseja falar é ouvir. Por essas, e outras, eu penso que Seu Cyro sabia, a seu modo, a diferença entre valores e princípios. Valores, segundo penso, guiam nossos comportamentos. Princípios, as consequências.

Para conduzir um empreendimento como a Ferreira Costa, maior do Nordeste e 5ª maior do Brasil, dizem os matutos que é preciso ter o couro grosso. A única coisa calosa em seu Cyro eram as mãos. Seu João, e depois dona Nazinha, os pais, foram os professores do filho. No livro Os Aldeões de Garanhuns, diz Alberto da Silva Rego, citado por Manoel Neto Teixeira, sobre o pai: “de uma resistência física a toda prova, - era de vê-lo, numa cadeira de rodas, com tantos problemas de saúde, comandando seu estabelecimento comercial como se estivesse em pleno vigor, dando exemplo dignificante de amor ao trabalho”. O pai do pai, também João, que migrou da cidade do Porto para Garanhuns, onde se instalou com uma loja de ferragens, imprimiu nos genes da família o vírus da criatividade, da inovação, do estudo e do trabalho. Em 1887, com a chegada do trem a Garanhuns, um prolongamento da segunda ferrovia do país (Recife-Cabo de Santo Agostinho), passou a importar produtos da Europa, dando aos clientes a opção de entrega em domicilio, ou seja, o delivery. Hoje, pelo trabalho do neto e dos bisnetos, o grupo utiliza energia renovável fotovoltaica, opera usinas solares, ilumina com luz natural, reutiliza águas de chuva, recicla o lixo, instala fachadas com isolamento térmico. A loja matriz da Avenida Santo Antônio foi inaugurada em 1989 já informatizada, um quase assombro para a época.  O primeiro mouse que vi na vida me foi apresentado por Guilherme, em Garanhuns.

Tudo poderia ter sido interrompido com a morte do segundo João, o pai, em 1950, com graves problemas de artrite. Antes disso, mandou o menino Cyro estudar no Colégio Salesiano do Recife, onde aprendeu inglês, e o emancipou aos treze anos, em 1943. Em 1946 deslocou-se aos Estados Unidos, acompanhado do filho, buscando tratamento na respeitada Mayo Clinic, em Rochester (Minnesota). Considerado o primeiro e o maior centro de medicina integrada do mundo, 64 mil médicos, cientistas, pesquisadores e funcionários se unem, hoje, sob uma filosofia comum, a mesma de sempre: “as necessidades do paciente vêm em primeiro lugar”. Talvez tenha sido esta a inspiração para o menino Cyro sonhar com o futuro. Mas antes precisava ajudar o pai. No breakfest, aterrorizado, quando o pai comandou: “peça o café, você não sabe inglês?”, correu para o wc, onde vomitou. Mas voltou e fizeram a primeira refeição do dia juntos. Nunca teve tempo de concluir uma faculdade. Mas os filhos, todos, sim. Guilherme se tornou auditor da Arthur Andersen e André da PWC, nas áreas de Gestão e Contabilidade, igualmente o pai, que fez Curso Técnico e se identificava com essas disciplinas gerenciais, suas preferidas. Começaram na Firma como auditores, chegaram a sócios do pai em 1979 (Guilherme) e 1981 (André). A expansão do grupo começou daí, sob o comando do pai, e se consolidou pelas mãos dos filhos, que hoje seguem os mesmos passos, os mesmos valores e os mesmos princípios.

Mas, como se sabe, a vida é um drama, e uma trama. Não se pode separar o artista do empreendedor. Este não existiria sem aquele pois, afinal, sua vida foi uma obra de arte. Peter Drucker e Henry Mintzberg o poriam em seus compêndios como administrador e estratego. Domenico de Masi, estudando sobre os grupos criativos na Europa de 1850 a 1950, o teria como protótipo do homem capaz de unir, e reunir, e equilibrar, a emoção e a regra: a emoção em excesso torna as pessoas extemporâneas; a regra em demasia cria os burocratas. Seu Cyro nunca foi um transviado, nem um burocrata. Foi um artista. Pouca gente sabe, mas era primo de Janete Costa, tocava piano, gostava de Carlos Galhardo, cantarolava “Salão Grenat” e lia o New York Times... Era um baobá, um globe-trotter, um corisco. Meu pai, Pedro, antes de morrer, depois de três infartos, me olhava da cama com os olhos cheios d’água. Uma sombra. Quando se foi, e porque era uma craibeira, restou-me a chuva, o sol e a inclemência. Os grandes homens serão sempre, por merecimento, fortuna e virtù, imortais entre os indivíduos e no coração da espécie. A fortuna e a virtù são conceitos, aqui, não de pecúnia ou virtude moral. Em Florença do Príncipe, Fortuna é sorte, acaso, influência das circunstancias. Virtù é coragem, valor, capacidade, eficácia política para agir sobre as circunstancias. Diria, talvez, Seu Cyro, sobre os ombros, ouvindo-me, como disse meu pai, admoestando-me: Morrerei brevemente. Mas voltarei.

O homem de gênio e a melancolia, diz Aristóteles, buscando compreender o caráter dos homens extraordinários, sempre estão juntos. A teoria dos temperamentos, de Hipócrates, sobre os humores (sangue, sanguíneo; fleuma, fleumático; bile amarela, colérico; e bile negra, melancólico), diz que saúde é a boa ordem ou o perfeito equilíbrio da mistura que se situa na isonomia entre os humores. Doença seria uma desproporção dos humores, em escassez ou excesso, ou quando um deles não se mistura com os demais. Pigeaud, in Aristóteles, O Homem de Gênio e a Melancolia, diz que,entre o homalon (constância) e o anômalon (inconstância) existe uma constância da inconstância! na ideia de representação da mímesis. Para Platão, a mímesis, enquanto representação do mundo físico, seria uma imitação de segunda mão; e afirma que toda criação é uma imitação, sendo a própria criação do mundo uma imitação da natureza (o mundo das ideias). O drama, para Aristóteles, é a “imitação de uma ação” em primeira mão. A mímesis tem o efeito catártico de expurgação ou purificação, diz em seu Problema XXX, I, sobre criação e criatividade. A mímesis mostra que a natureza molda o homem para se modelar a si mesmo, tornando-se o outro. Na mistura (!) ideal é uma virtude e produz, pelo equilíbrio, o comportamento de exceção. Do poeta, do musico, do engenheiro, do arquiteto, do maestro, do escultor, do pescador, do caçador, do inventor, do administrador.

Para Aristóteles, pode-se deduzir, todo homem de gênio lamenta, perto do fim, o conhecimento inútil, que é o extemporâneo. Se soubesse o que sei hoje, diria, ou dirá, teria sido mais feliz. Nunca vi a lua, dirá, ou diria, mesmo tendo visto. Não tive tempo. Só fiz duas coisas: trabalhar e cumprir a missão que recebi do pai - como dizem todos os filhos. Como se dirige a todos os homens, Aristoteles fala de mim, de você e de Seu Cyro, um gênio, mas também um homem como todos nós.  Mas que teve tempo. E fez. Do mesmo jeito fizeram outros infelizes que viveram ali por perto. Delmiro Gouveia, na Pedra, e Apolônio Sales, no Altinho. Três homens, três fulôres de Puxinanã, no dizer de Zé da Luz. Machiavel observa, em sua obra máxima, que metade das ações do homem está sob o arbítrio da Fortuna. Dando-lhe, contudo, e por metáfora, o corpo de um rio, afirma que em seu curso pode ser controlada por diques e canais, pelo ardor ou pela violência – e nisto reside a Virtù: o poder de superar as adversidades e agir sobre as circunstancias. Seu Cyro foi aluno do pai. E professor dos filhos. A estes, portanto, cabe a missão, e a honra, de cumprir os desígnios. A mim, de minha parte, me coube, e me cabe, hoje, repetir o que disse na folha de rosto de um livrinho, em 2013, no ultimo dia em que não pude ver Seu Cyro. Que nunca mais verei:   

“Seu Cyro. Sempre que leio esta Arte da Sabedoria Mundana, penso na similaridade entre certos aforismos de Baltasar Gracián e algumas de suas palavras e atitudes que pude observar durante aqueles anos de 1991/1994 – e que guardo sem registros, mas relembro com saudade. Nunca me esquecerei de sua bondade, de sua integridade e de sua inspiração, e do quanto o Sr. - e Guilherme e André - me ajudaram durante alguns dos melhores anos de nossas vidas... Continuo morando em Salvador, mas a partir de abril também com endereço transitório no Recife, em Poço da Panela – razão e atmosfera que talvez expliquem um pouco da extemporaneidade deste bilhete... Desejo-lhe saúde, prosperidade e paz. Com amizade, apreço, consideração, Edson Mendes.

Recife, 08.02.2013.”
Recife, 27.02.2023.





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