Lampião, líder e guerrilheiro
O cangaço foi uma saga ocasionada por uma ordem social de opressão. É, efetivamente, um fenômeno inegável que pode não ser justificável, mas é explicável. A literatura sobre o cangaço é farta e disponível. Melhor seria termos um João de Sousa Lima a escrever, o que não impede um Francisco Nery de assim fazer. Afinal, li alguns livros sobre os cangaceiros ainda em Salvador e, interessante, uma das minhas emoções ao vir a Paulo Afonso pela primeira vez foi estar entrando na área de atividade do cangaço de homens determinados e decididos a mudar as coisas à sua maneira.
Pagaram caro com a desnecessária degola das suas cabeças na Gruta de Angico (que vale a pena a sensação da visita). Não sei se foram heróis. Apenas sabemos que deixaram uma marca. Gritaram como podiam, praticaram excessos com suas cabeças determinadas e foram, quando queriam, sanguinários
Resta saber se tiveram alguma inspiração no episódio de Canudos onde, desnecessariamente a nosso ver, jagunços embirrados sonharam o sonho da sua República para serem aniquilados, quase todos, por uma força descomunal do governo que temia um retrocesso da ordem institucional. Antônio Conselheiro, como ainda alguns de nós, tinha a monarquia em alto conceito.
Lampião deve ter sido detentor de um alto QI (quociente de inteligência). Sua liderança era inquestionável. Não me vêm à mente episódios de ameaça dos subordinados. Lampião liderava sem a necessidade de tanques e canhões. Provavelmente não tinha uma Abin interna à sua disposição. Tinha, de fato, os seus coiteiros, informantes verdadeiros pontas de lança para os seus ataques e as suas investidas.
Líder nato, foi um precursor dos guerrilheiros modernos sem a fama de um Che Guevara, um Steve Biko ou um Nelson Mandela. A nossa afirmação se baseia na sobrevivência do bando por dezoito anos avidamente caçado pelas polícias de diversos estados. Poderia ter ido mais adiante se não fosse a cachaçada da noite anterior ao dia em que foram massacrados.
Massacre inadmissível e evitável levando em conta que Virgulino Ferreira da Silva era um homem inteligente, era casado com Maria Bonita e tinha uma filha para cuidar. Com gente inteligente, se negocia. Aliás, assim fez o Governo quando tentou cooptá-lo para combater a Coluna Prestes, oferecendo-lhe a patente de capitão do Exército Brasileiro.
Cortaram a cabeça dos cangaceiros enfraquecidos pela ressaca da cachaça. Organizaram-se devidamente em expedição e cumpriram as ordens superiores. Nós as vimos expostas em praça pública em macabro episódio de desrespeito à pessoa [humana]. Vingaram-se e consolidaram a República e o coronelismo no Nordeste do Brasil.
Entrementes, nenhuma organização se atreveu a evitar o pior mesmo tendo a obrigação de fazê-lo. Todos os grupos de poder desarmados no Brasil vergonhosamente se omitiram. Desde o descobrimento, devidamente enraizados na vida e nos corações penitentes dos brasileiros, principalmente dos nordestinos facilmente tutelados, se omitiram.
Poderia ter havido algum tipo de negociação, tanto em relação a Canudos, quanto em relação ao cangaço de Lampião como foi feito de alguma maneira com remanescentes do bando.
O fato é que a mancha na nossa História é de difícil remoção levando-nos, todos nós, a olhar para a saga do cangaço com olhos piedosos a despeito dos crimes e barbáries outras cometidas por Lampíão e seu bando.
Francisco Nery Júnior
Parabéns ao Irmão e Professor Nery, a João de Souza Lima, meu amigo e guerreiro de farda na Primeira Companhia de Infantaria e ao Professor Galdino.Parabéns a todos vocês por contar cada um com seu estilo a nossa história, a história do Povo Sertanejo.
Me orgulho muito,João , de tê-lo conhecido,ter passado aquela tarde super especial, inesquecível.Uma tarde que fez muita diferença em nosso conhecimento.Gratidão, Gratidão, Gratidão.Quanta honra também considerá-lo um Amigo,amigão!O Historiador renomável! Sucesso sempre... Parabéns pelo seu trabalho tão valioso!
Texto pontual sobre o fatídico dia da morte do casal mais famoso do cangaço.Ao tempo em que me detive a leitura do excelente artigo, me cobri de de orgulho pelas duas referências ao meu nome é ao meu trabalho.
Optei em colocar as capas das duas edições do livro Lampião em Paulo Afonso, de João de Sousa Lima, citado pelo autor, como ilustração dessa crônica. João tem muitos outros livros sobre o tema, fruto de suas pesquisas de longos anos, assim como Luiz Rubem, ambos os autores, assim como o cronista e esse editor do site, membros da Academia de Letras de Paulo Afonso-BA.