Quando Jorge Amado Chegou na Reunião do CMMA numa tarde fria na Bahia
Luciano Júnior
Era uma tarde chuvosa na Bahia, dessas raras de inverno em que o vento se atreve a ser frio e a gente se aquece com um café improvisado, estranhando o arrepio que não vem do calor, mas de um vento miúdo, quase maroto, que brinca com as folhas das mangueiras.
Eu, ainda na Bahia e iniciando o retorno à ativa depois de semanas doente, esperava a reunião do Conselho de Meio Ambiente, alinhando mentalmente as informações da pauta da reunião, esperando o início. Foi quando Lalau do Esporte, hoje convertido em guardião do meio ambiente e embaixador da ARPA, entrou no auditório trazendo nos braços enorme caixa de papelão amadeirado que exalava o cheiro de papel antigo misturado ao cheiro bom de quem vem da rua molhada, com uma bela surpresa.
“Trouxe pra você”, disse ele, e ali, naquela tarde quase europeia na Bahia, Jorge Amado chegou, encadernado em capa dura, em letras douradas e folhas amareladas, mais vivo do que nunca. Um presente de amigo, que é a forma mais bonita de Jorge chegar.
De repente, a Bahia cinza do dia se pintou das cores de Gabriela, Cravo e Canela, que me fez lembrar que mesmo quando chove, há sempre alguém dançando descalça no barro, com um riso de quem sabe que o sol volta. A chuva batia mansa, como se fosse a música de fundo de Capitães da Areia, e eu pude quase ouvir Pedro Bala conspirando liberdade entre os becos encharcados.
Enquanto Lalau se sentava, após meus agradecimentos, pensei em Tieta, que também voltou em um dia de chuva, desafiando o moralismo de Santana do Agreste. Pensei que aquela tarde era dela, porque a água que caía dos céus lembrava que a terra precisa de banho, que a gente precisa de pausa, que a Bahia também merece frio de vez em quando.
E foi ali, antes do Conselho começar, que me imaginei folheando as páginas de “Mar Morto”, sentindo o vento frio me tocar a nuca enquanto eu lia as histórias dos saveiristas, e percebi que Jorge Amado entendia de mar e de gente como ninguém. As histórias pulavam das páginas, como se as velas dos saveiros se abrissem no corredor da sala, e eu sorri, porque lembrei que mesmo os personagens de Jorge, quando estavam perdidos, achavam abrigo uns nos outros.
Frio na Bahia é quase tão raro quanto achar uma edição inteira de Jorge Amado em capa dura num presente de terça-feira. E, naquela hora, entendi que aquele frio era convite para café coado na hora, para conversa comprida, para abrir Jorge Amado e esquecer um pouco das planilhas da vida.
Quando a reunião começou, as nuvens ainda estavam pesadas, mas eu estava leve. Porque Jorge Amado tinha me lembrado, ali entre uma pauta e outra, que lutar pelo meio ambiente também é lutar pelo Brasil que ele escreveu. É proteger a terra que os personagens dele amaram sem discurso, porque sabiam que era dela que vinha o sustento, a poesia e o axé.
Naquela tarde fria, chuvosa, de inverno na Bahia, Jorge Amado chegou para lembrar que somos feitos de histórias, de chão molhado, de gente que se ajuda, e de sonhos que resistem ao tempo. E que, às vezes, o melhor jeito de preparar uma reunião é abrir um livro, respirar fundo e deixar que a Bahia, mesmo molhada, nos ensine a ser melhores.
E eu segui na reunião, com Jorge Amado na cabeça e a certeza de que, mesmo quando a Bahia faz frio, o calor de quem ama esta terra nunca se apaga.
Luciano, no 2 de julho dia da independência da Bahia, sua crônica capta com maestria a essência do nosso estado e também a magia das obras de Jorge Amado. Na verdade é um texto que carrega consigo esse legado de luta e cultura que molda nossa identidade , além de celebrar a força das histórias e da identidade baiana com sensibilidade e elegância. Parabéns pelo texto!
Nada como o 2 de julho, data magna da independência da Bahia, tão celebrada, para aceitar a sugestão de leitura da obra de Jorge Amado, que já inspirou tantas novelas e minisséries da televisão brasileira. Faz pouco, reli Tieta e Gabriela, duas das muitas obras de Jorge Amado. Leiam também outros autores, conheçam os escritores de Paulo Afonso, também. Ler, em qualquer data e idade, faz muito bem. Parabéns Luciano pelos teus textos, sempre bem vindos por aqui. Abraço fraterno. Prof. Galdino