Aconteceu aos meus 72 anos, avançado em idade e alquebrado. A lei – a lei é sábia – nos enquadra como anciãos; porque já vivemos anos e o melhor, para quem deseja evitar tropeços a maioria dos quais desnecessários, é ouvi-los; ouvir aos seus anciãos. Está fora de moda, mas carece ouvi-los. Se uma bobagem, ou reminiscência que eles adoram, que ela entre por um ouvido e saia pelo outro.

Passou-se em Toulouse, sul da França, o grupo com adultos e jovens do mundo todo. Professores compenetrados como não soe acontecer entre nós, professores brasileiros e tolerantes. Eles nos tratam bem, mas sisudamente. Não se trocam, mesmo se o aluno for um Einstein. Um gol de letra ou uma falta bem cobrada no ângulo pelo aluno, a partida segue os seus noventa minutos.

Um dia, alunos de algumas escolas de Toulouse reunidos para troca de experiências e confraternização. No final, apresentação de conclusões para todo o grupo. Chegada a minha hora, como relator da equipe, após a equipe iniciante, lancei: “Nous sommes d’accord” (Nós concordamos). Meio enfesada, a professora mediadora obstou enfaticamente um “Non, non, non”. Retomei a palavra e, segundo a minha professora, me saí muito bem. Tenho que confessar que, naquele dia, me lembrei de um encontro com o prefeito Luiz de Deus a propósito de uma colocação qualquer: “Deixe de querer bancar o esperto, Nery!”. A conversa continuou mais leve e a minha consideração ao Montador de Paulo Afonso só aumentou.

Eu era o aluno mais velho da turma. Já tinha estado em Paris, mas como turista por apenas três dias. O meu francês era do ginásio Manoel Devoto em Salvador com a competente professora Dalva e com minhas leituras paralelas. Final do curso [intensivo e pesado], das classificações Muito bom, Bom, Regular e Ruim, classifiquei-me na Muito bom. Hashid da Arábia Saudita e uma colega da Inglaterra se surpreenderam e me saudaram lá de trás. A professora nada comentou sobre um ancião brasileiro que deixou para trás colegas alguns dos quais há meses na França. Tive mais de 75% de êxito e ainda consegui mais uns pontinhos com a correção de um quesito não considerado.

A minha professora francesa era atenciosa e competente. Ela só era francesa.

Educação na França, como nos Estados Unidos, é coisa levada a sério. Os professores puxam pelos alunos o que não impede de os deixar sem tarefas de casa nos finais de semana. Numa dessas folgas, acontecia uma passeata dos Coletes Amarelos. Eles cantavam, batiam tambores como na França de Victor Hugo e protestavam. Discretamente, de longe, a polícia observava. Não resisti e entrei na formação para marcar o momento e tirar uma foto.  Ângela registrou o momento e, cuidadosa como ela só, continuou de fora.

 Dentro do pelotão, nas ruas de Toulouse, bradei, com os franceses, palavras de ordem contra os males do século e contra as desigualdades sociais. Eu sabia muito bem que poderia ser “pescado” por algum policial atento e deportado para o Brasil. O que se passava pela minha cabeça era a minha imagem no Jornal Nacional a batalhar, junto com os franceses, contra a opressão dos ricos e apaniguados sobre os pobres membros da classe proletária.

Nada aconteceu, nada me perturbou, e o Itamaraty se livrou de um problema diplomático causado por um brasileiro que só queria aparecer.

*Fotos: Francisco Nery Júnior

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