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Professor Galdino

Novembro de tantas memórias: da ALPA, da despedida da Chesf, do caminhão pau-de-arara... São memórias de um sertanejo.

“O mar deve ser assim, do tamanho desse rio São Francisco...”

Publicada em 20/11/23 às 23:23h - 419 visualizações

Antônio Galdino


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Novembro de tantas memórias: da ALPA, da despedida da Chesf, do caminhão pau-de-arara... São memórias de um sertanejo.
 (Foto: Acervo Antônio Galdino e Arq. Jornal Folha Sertaneja)

“Quando eu vim do sertão, seu moço, do meu Bodocó

A malota era um saco e o cadeado era um nó

Só trazia a coragem e a cara viajando num pau de arara...

Eu penei, mas aqui cheguei.”

Começo essa história lembrando que já ouvi muito algumas pessoas dizendo que quando se fala em coisas, fatos, acontecimentos, lembranças do passado, essas pessoas que falam isso são saudosistas, não conseguem se desapegar do que passou... Talvez seja oportuno refletir sobre isso. Essas pessoas, e entre elas me incluo, podem estar fazendo um grande esforço para não deixar morrer esse passado histórico. 

Ou, como seria possível registrar fatos de dezenas de anos passados sem que houvesse a narrativa de alguém que viveu esses fatos, a chamada história oral? Posso até ser saudosista, sentir saudade de algum momento, assim como todos os que bisbilhotam a história para reconta-la ou trazer essas histórias para os nossos dias. Sou também, como lembrou um colega fundador da ALPA, um memorialista, pessoa preocupada em resgatar essas memórias que terão alguma validade, serão importantes para uns...

Dito isso, chego a este resgate da memória que, com certeza, vai remeter a outros, e a outros mais, meus e dos queridos leitores dessas mal traçadas linhas...

Esse começo de semana de novembro de 2023, dias 20 e 21, nos remete a uma série de eventos interessantes. Há aqueles, amplamente divulgados pela televisão nos seus noticiários e nos telejornais como o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, como mais um grito de liberdade para todos os povos. 

E isso acontece quando os pauloafonsinos e os diocesanos dessa região, vêm de uma semana inteira de homenagens aos religiosos, os dois Mários, Zanetta, bispo e Lourenço, padre. E o bispo deixava o peso de suas palavras em uma mensagem que se adequa perfeitamente ao Dia da Consciência Negra e a esses dias inquietos em que vivemos... 

Assim disse o Bispo Mário Zanetta: “Imagino como seria bonito se por cima do abismo do pecado, da divisão, da intriga, do ódio, soubéssemos lançar a ponte da amizade, da solidariedade e da fraternidade.”

Todos esses eventos tão juntos, tão próximos, mexem com o sertanejo aqui, já bem avançado nos anos, memorialista por opção pessoal.

Na ALPA, embora membro fundador, não estive na luta difícil de sua organização, feito digno de aplausos aos pioneiros Francisco Araújo, José Fernando e Sandro Gomes. Formei, com estes e outros convidados, o time dos 15 fundadores e, sobre isso, falo em outro texto. Veja no link: https://www.folhasertaneja.com.br/noticias/artes-e-literatura-/737985/1.

Destes tantos outros temas destas datas tão fortes para o coração desse paraibano de Zabelê, aceito como filho de Paulo Afonso pela Câmara Municipal do município, há 30 anos (7/11/1993) restam o aniversário de 20 anos, dia 21/11, da minha despedida festiva, entre abraços e choro de alguns, dos meus colegas chesfianos da Administração Regional de Paulo Afonso, com quem convivi por mais de 36 anos e meio. Desse momento, guardo vídeos, músicas, palavras de afeto e já, saudades de alguns que nos deixaram nessa caminhada...

 Pois é, "Quando eu vim do sertão, seu moço", há exatos 69 anos...

Este é o tema que amanheceu na minha cabeça, logo ao acordar, com os primeiros versos soando, repetidamente...

"Quando eu vim do sertão, seu moço, do meu Bodocó

A malota era um saco e o cadeado era um nó

Só trazia a coragem e a cara viajando num pau de arara...

Eu penei, mas aqui cheguei".

Assim, meus amigos, parafraseando Guio De Morais e Luiz Gonzaga, que escreveram em 1952 e espalharam pelo Brasil essa música chamada Pau de Arara e trocando Bodocó por Zabelê e Taperoá... conto essa história, a história da minha família, meu pai, João Galdino, minha mãe, Severina de Souza, eu e meu irmão José Galdino, (in memorian, há mais de 16 anos), descendo de um caminhão pau-de-arara, na Rua da Frente, na Vila Poty, em 20 de novembro de 1954. Há exatos 69 anos...

Zabelê/PB Zabelê entrou na história do estado no dia 2 de outubro de 1837, quando o Padre José Gomes Pequeno, vigário da então freguesia Nossa Sra. dos Milagres de São João do Cariri, batizou dois rapazes em terras da então "Fazenda de Zabelê". Dali em diante houve mais batismos, a cada vez que padres passavam por essa fazenda. Contudo, visitas regulares de religiosos começaram somente a partir de 1938, quando surgiu um pequeno povoado naquela fazenda.

Tornou-se município paraibano, apenas há 29 anos, em 29 de abril de 1994. Ocupa uma área territorial de 109 km² e tem uma população, segundo o censo do IBGE de 2022, de 2.228 habitantes. A área territorial é de 109 km².

 

Taperoá/PB Taperoá (antiga Vila Batalhão)

Os primeiros colonizadores das terras do atual Município de Taperoá foram o licenciado Francisco Tavares de Melo, capitão Gonçalo Pais Chaves e o ajudante Cosme Pinto, os quais, por concessão do capitão-mor Francisco de Abreu Pereira, receberam da Coroa, em 1703, terras nessa região paraibana.

Na área da cidade atual, segundo alguns historiadores, foi travada, em 1824, uma grande batalha entre os republicanos da Confederação do Equador.

O município foi fundado em 6 de outubro de 1886, há 137 anos e pelo censo do IBGE de 2022, tem 14.068 habitantes.

Meu pai, nascido em Zabelê/PB no Cariri paraibano, onde nasci e vivi os primeiros anos de vida, menos de três, mudou-se com a família para Taperoá/PB, terra de minha mãe. Cidade centenária e famosa depois que Ariano Suassuna a escolheu, terras dos seus pais, para ser cenário da gravação de O Auto da Compadecida, uma de suas obras primas...

Caminhão pau-de-arara (imagem ilustrativa) - Família de João Galdino e Guaritas da Chesf

Ah! Essa viagem de sertanejos, em cima de um caminhão pau-de-arara, como a de milhares de outros que também chegavam a Paulo Afonso, o El Dourado dos sertões, à busca do emprego na construção Usina de Paulo Afonso, se hoje soa exótica, era a grande realidade daqueles tempos, quando 500, 600 quilômetros de estrada ruim, carroçáveis quase sempre, eram feitos em dias penosos de viagem...

Para o garoto de menos de 7 anos de idade, o enorme cansaço dessa epopeia sertaneja, pareceu, na verdade, com uma grande aventura, nunca vivida por esse garoto. De cima do caminhão, ficar vendo a cortina de poeira que ia ficando na estrada era algo espetacular.


Ah! E ainda hoje tenho os olhos um tanto esbugalhados do tanto que esticava o olhar, para cima e para baixo, quando me deparei com as imensas águas, agitadas, do rio São Francisco, quando o avistamos, imponente, rasgando os sertões, entre os Estados de Pernambuco e Bahia, como vim a saber depois.

Como a ponte D. Pedro II, sobre o rio São Francisco só viria a ser concluída e inaugurada anos à frente, os que vinham de Alagoas, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Piauí e outros estados do Nordeste e do Norte do Brasil tinham que cruzar o rio São Francisco na cidade de Petrolândia/PE para a margem direita do rio São Francisco, em Barra/Glória/BA para, dali percorrerem ainda 30 km de estrada até chegar a Paulo Afonso.

 

Essa travessia era feita em grandes balsas como esta que voltou a operar no rio São Francisco em fevereiro de 2023, entre Porto da Folha/SE e Pão de Açúcar/AL, com o aumento da vazão do rio São Francisco naquele período.

Em 20 de novembro 1954, o caminhão pau-de-arara que trazia a família Galdino para Paulo Afonso (Vila Poty) chegara na margem esquerda do rio São Francisco, em Petrolândia/PE e todo mundo desceu para esperar a chegada da balsa para atravessar o rio e chegar no Povoado Barra, município de Santo Antônio da Glória, (Glória Velha) já no lado da Bahia. Os olhos do menino estavam extasiados, inquietos olhando para o rio imenso, em todas as direções. Tudo era novidade. Uma ondinha maior ali, será que era um grande peixe? A imaginação do menino corria solta como os cavalos dos vaqueiros no meio da caatinga...

Quando entramos na balsa, precisou minha mãe segurar firme a minha mão, tão inquieto eu estava, querendo ir de um lado para o outro. Tudo era novidade para o menino vindo de uma região onde até a chuva era rara.

E eu lembrava que uma vez eu ouvira alguém falar do mar e logo pensei. – O mar deve ser assim, grandão como esse rio. É, deve ser assim...

A travessia do rio São Francisco em Glória, quando viajávamos para Paulo Afonso, em novembro de 1954, com absoluta certeza, foi o maior filme de longa metragem que já assisti na vida. Mais impactante, naquele momento, que a abertura do Mar Vermelho, como imaginou Cecil B. DeMille, ao fazer, dirigir Os Dez Mandamentos, em 1956, com Charlton Heston, que só assisti muitos anos depois... Imaginação de criança é mesmo poderosa...

Mas, longe estavam de acabar as surpresas e os motivos de encantamento daquele garoto de menos de 7 anos de idade, sertanejo, vivendo todo o tempo no interior, do interior do Nordeste...

Guaritas da Chesf no ano de 1950 e seguintes

Quando o caminhão pau-de-arara parou no centro da Vila Poty, perto de umas porteiras grandes, cheia de guardas – eram as guaritas da Chesf, de entrada para o Acampamento da Chesf, para os escritórios e para as obras de construção da Usina de Paulo Afonso – o novo assombro para o garoto agora foi a multidão, o grande número de pessoas andando pra cima e pra baixo... Certamente que o menino nem imaginava o que passava na cabeça do seu pai sobre para onde levar a família... e o futuro que nos esperava...

Nos acomodamos, como deu, em um dos barracos da Vila Poty. E não faço a menor ideia como sobrevivemos esses primeiros dias. Nem imagino como tenha sido o meu primeiro Natal nessas terras estranhas...

Cachoeira de Paulo Afonso em 20 de março de 1956

Outros impactos desses primeiros tempos viriam depois, nos dias seguintes e na vida que seguiu... Como as quedas da Cachoeira de Paulo Afonso que, naquele tempo, eram enormes, assim... E podia-se passear no bondinho sobre as quedas do Croatá...

Bondinho de madeira sobre as Quedas do Croatá. Levavam empregados da Chesf e o diretor técnico da Chesf, Amauri Menezes para a Ilha do Urubu, onde morava e era liberado para passeios dos turistas e visitantes.

Logo no início de janeiro, - e isso não tem como esquecer – vi meu pai chegar em casa com os olhos brilhando de alegria e anunciando: - amanhã começo a trabalhar na Chesf... Pense numa notícia boa! E começou a trabalhar como gari, num tempo em que nem se pensava em EPIs. O lixo, folhagens, tudo era coletado em caçambas basculantes... E meu pai e seus novos colegas de trabalho, correndo atrás e limpando as ruas do Acampamento da Chesf.

Escola Murilo Braga, hoje Colégio Carlina e Profa. Lindinalva Cabral dos Santos 

Como empregado da Chesf, eu, seu filho, agora com sete anos, completados em 18 de janeiro, já podia estudar nas Escolas da Chesf e fui matriculado na Escola Murilo Braga (hoje Carlina) para fazer o 1º ano primário com a professora Lindinalva Cabral dos Santos, um amor de gente! A primeira professora, a gente nunca esquece!...

 

E lembro que, nesses primeiros anos de Paulo Afonso, todos os filhos dos empregados da Chesf recebiam presentes de Natal. Eram filas enormes no Restaurante da Chesf ou no campo de futebol (hoje Estádio Álvaro de Carvalho), mas o presente de Natal das crianças estava garantido.

Tempos depois, alguém notou alguma habilidade no Seu João Galdino e o levou para ser ajudante de pedreiro e ele, como tal, ajudou a construir os muros de pedras do Hospital da Chesf (NAIR), da Casa de Hóspedes... Depois, passou a ser guarda da Chesf e até encarregado de uma área destas de vigilância na empresa na época. Quando apareceu uma vaga, correu para preenchê-la como ajudante de ferramenteiro nas Oficinas da Chesf, onde se aposentou, por invalidez, com “bico de papagaio”, coisa grave e sem remédio, na época...

Em Paulo Afonso, a família cresceu. Nasceu Edvânia e chegou Eliane para aumentar a nossa alegria. Depois, num segundo casamento do meu pai, com a juazeirense Helena, já em Brejo Santo/CE, chegaram mais duas princesas Edijânia e Edilânia...

Empolgado com o relato dos primeiros momentos em Paulo Afonso, há 69 anos atrás, acabei contando um tantinho a mais da história, coisa para outra oportunidade... É que essas memórias dos primeiros tempos têm o poder de arrastar consigo outras tantas, muitas, nessa caminhada da vida...

Por hoje, ficam os olhos esbugalhados do menino extasiado com a grandeza e a beleza do rio São Francisco e o impacto do seu encontro com uma multidão, ao pisar os pés da Rua da Frente, Vila Poty, em 20 de novembro de 1954, há 69 anos atrás...




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3 comentários


Isac de Oliveira

21/11/2023 - 10:44:32

O escritor narrou em prosa, o que peço vênia literária, para chamar de sua epopeia, pois é um texto poético. Parafraseando o intento feito no introito, trecho da música Pau de Arara, de Gonzaga e Zé Ramos, me atrevo completar: seu Dr. me dê licença para minha história contar...  E assim, o Galdino de  Zabelê, discorreu a saga de mais um nordestino, menino, sabido, que se fez grande escritor. Parabéns, mestre.


Evaristo Cavalcanti

21/11/2023 - 07:51:53

Caro amigo!Leitura de um fôlego, com lampejos de imagens que não apagam de chegada a essa extraordinária cidade-metamorfose, em 04 de fevereiro de 1971.Tal qual o vinho de procedência que melhora o sabor com o passar dos anos, você também se supera com os seus registros pessoais.PARABÉNS!


Luciano

21/11/2023 - 05:38:06

Belo e autêntico relato.Sua história, certamente, é similar a milhares de outras no tocante ao grande número de sertanejos e também de outras regiões do país e até do exterior que chegaram à Chesf, nos primórdios.Em seu texto certamente muitas famílias foram lembradas e homenageadas pela memória.Parabéns!


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